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CURIOSIDADES DO VESTIBULAR

Noites maldormidas, pilhas de livro, muita pressão. A angústia pré-vestibular não atinge apenas os vestibulandos. Quem elabora e corrige as provas passa por situações semelhantes.

"Não há remuneração que pague a pressão que recebemos e o serviço que fazemos. Não há nada pior do que uma questão sua ser anulada", diz Aécio Pereira Chagas, 65, professor aposentado do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Na universidade desde 1969, o professor já perdeu as contas de quantos vestibulares organizou, quantos dias levou para formular uma questão, quantas provas já corrigiu.

Se uma questão malfeita atrapalha o aluno, uma resposta ruim acaba com o dia do corretor. Chagas conta que, faz alguns anos, uma questão pedia ao aluno que distinguisse uma porção de sal de uma de açúcar, mas sem provar nenhuma delas. "O aluno respondeu que era só dissolver cada produto em água, pegar uma seringa, chamar um diabético e injetar a solução em sua veia. Se a pessoa morresse, era açúcar", conta o professor, sem esconder a revolta.

O físico Leandro Tessler, coordenador do vestibular da Unicamp, também diz como é deprimente perceber que muitos alunos não têm noção da realidade. "Certa vez, pedimos a estimativa do peso de uma vaca. Alguns colocaram que uma vaca pesava dois quilos", lamenta. "É por essa razão que o nosso vestibular pede que o aluno tenha senso crítico."

Porém, as experiências desagradáveis podem ser bastante úteis. E, na maior parte das vezes, o são. Afinal, passa pelas mãos dos corretores um mapa amplo e bastante detalhado do patamar em que se encontra o aprendizado de uma determinada disciplina. Essas informações geram idéias de como aperfeiçoar o ensino da matéria e podem virar teses de mestrado ou doutorado na área de educação.

Como não têm contato com o resultado do trabalho, as recompensas para os elaboradores são outras. A primeira é cívica. Roberto Costa, um dos coordenadores da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), instituição que organiza as provas para os mais de 150 mil alunos que tentam uma das 10 mil vagas na USP (Universidade de São Paulo), afirma: "Nosso papel é criar e manter a fórmula que traz os melhores alunos para a universidade".

A segunda recompensa é determinar como uma disciplina será ministrada em sala de aula, tamanha é a influência dos vestibulares sobre o ensino médio. "Muitos elaboradores têm esse sonho", afirma o físico Fernando Dagnoni Prado, coordenador do vestibular da Unesp (Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho). Porém, os sonhos não bastam. É preciso saber de onde vêm os alunos. "Os professores universitários são muito desligados da realidade do ensino médio", afirma Luiz Langlois, coordenador acadêmico do vestibular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Em troca desses benefícios, a pessoa que se dispõe ou é escolhida para corrigir ou elaborar as provas deve aceitar um conjunto de regras. Entre elas, jurar sigilo sobre suas atividades e manter sua ligação com a organização em segredo. Tanto na elaboração quanto na correção, os professores se comprometem a não revelar nem uma palavra do que foi discutido e decidido. "As pessoas assinam um contrato e a sua identidade só é conhecida pelas pessoas que organizam o vestibular", afirma Leandro Tessler, coordenador da Unicamp.

Para garantir que essas regras não sejam quebradas, a seleção é feita pelos coordenadores dos vestibulares ou por pessoas de sua confiança com base em critérios que levam em conta a experiência do professor em outros vestibulares e quem o indicou. Os coordenadores dos vestibulares também passam por esse crivo. Eles são escolhidos pelos reitores, geralmente, depois de anos de experiência como corretores, elaboradores e coordenadores de provas.

Para arcar com essa responsabilidade, um corretor de provas recebe entre R$ 1.000 e R$ 1.500. Os elaboradores ganham entre R$ 1.500 e R$ 2.000. Esses são os valores pagos em São Paulo. No Rio de Janeiro, eles sobem: um corretor ganha R$ 2.500 e um elaborador, R$ 3.000. Nos dois Estados, o valor é sobre um conjunto de serviços.

O professor que cria as questões se dedica a essa tarefa, em média, durante sete meses. Os grandes vestibulares trabalham com, aproximadamente, 45 professores. Já um corretor faz um trabalho de 8 horas diárias, geralmente por um período de 15 dias. Os vestibulares recrutam um contingente que varia de 400 a 500 professores.

Outra característica dessa confraria são as particularidades de seus membros. David Felipe Hasting, 61, coordenador do vestibular da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo, passou quase toda a carreira na iniciativa privada. Formado em administração de empresas, Hasting virou professor há dez anos.

"Quem corrige provas poderia ser analista financeiro de uma grande empresa, já que a função exige paciência e método apurado", afirma. "Quem elabora uma prova poderia ser publicitário. É uma pessoa muito criativa e se expressa bem."
Mas, apesar da importância das pessoas, os vestibulares foram criados para funcionar independentemente delas. "A Fuvest foi pensada por cientistas da computação como um sistema fechado imune a fraudes", afirma Roberto Costa, um de seus criadores.

Cada página do caderno de questões dissertativas do vestibular da USP é corrigida por um professor diferente. Para manter o padrão, os computadores avaliam quão rigoroso é o corretor. O objetivo é evitar que a avaliação seja muito rigorosa com alguns alunos e muito branda com outros.

Durante o processo de correção, os professores são confinados em um andar do prédio da Fuvest. Os acessos a esse andar são bloqueados por dois portões de metal. O clima tenso da correção só é quebrado pelo brilhantismo de alguns alunos. "Muitas vezes, a gente passa horas namorando uma boa redação", afirma o professor Costa.

A professora Maria Alzira Colombo, 62, corrigiu provas de história da Fuvest durante dez anos. Ela conta que, quando um aluno vai muito bem, os professores gritam uns para os outros: "Olha! Aqui tem um gênio!".

(Folha de S. Paulo)

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